07/02/2010

O Mestre se foi...

Isso estava até cheio de poeira... então, agora que voltaram as aulas, coloco um texto que fiz pra um dos fóruns em que participo, pode parecer estranho a primeira vista, mas acho que não é tão diferente das outras coisas que figuram aqui...


Depoimento de um vassalo do Conde Otto Von Doom, a cerca dos acontecimentos envolvendo o desaparecimento do referido conde.

Repito-vos, cavalheiros, que vosso interrogatório é inutil. Detende-me aqui para sempre, se quiserdes; prendei-me ou executai-me se tendes necessidade de uma vítima para propiciar a ilusão a que chamais justiça. Não posso porém, dizer mais do que já disse. Contei-vos, com toda a sinceridade, tudo de que me lembro. Nada foi distorcido ou escamoteado, e se alguma coisa permanecer vaga, é apenas devido à nuvem escura que caiu sobre meu espírito - essa nuvem e a natureza nebulosa dos horrores que a fizeram abater-se sobre mim.
Digo mais uma vez: não sei do que foi feito de Otto, o Formoso, embora pense – quase rezo para isso - que ele foi engolido por uma indescritível escuridão, e agora está em oblivio pacífico, se é que existe, em algum lugar, coisa tão bem aventurada.
É verdade que por cinco anos fui seu vassalo e que, em parte compartilhei de suas terríveis pesquisas sobre o desconhecido. Não negarei, conquanto minha memória esteja insegura e vaga, que essa vossa testemunha nos possa ter visto juntos, na estrada de Gainsville, ao sul da Latvéria, caminhando na direção do Pântano do Cipreste Grande às onze e meia daquela noite tenebrosa.
Mas com relação ao que se seguiu e ao motivo pelo qual fui encontrado sozinho e aturdido na margem do pântano, na manhã seguinte, devo insistir em que nada sei, salvo o que já vos narrei repetidamente. Dizei-me que nada existe no pântano ou em suas proximidades que pudesse constituir o cenário daquele episódio aterrador. Respondo que eu nada sabia além do que vi. Visão ou pesadelo pode ter sido - e visão ou pesadelo espero desesperadamente que tenha sido - mas, no entanto, é tudo o quanto minha mente reteu do que ocorreu naquelas horas chocantes depois que saímos da vista dos homens. E por que Lorde Destino não voltou somente ele ou seu espectro - ou alguma coisa inominável que não sei descrever - poderão dizer.
Nos últimos tempos Destino andava interessado em algo mais macabro que vocês podem imaginar! Com sua vasta coleção de livros estranhos e raros sobre temas interditos, ele passava as noites em claro. Na maioria, acredito, são em árabe; e o compêndio de demoníaca inspiração que acarretou a tragédia - o livro que levava no bolso ao abandonar o mundo - estava escrito em caracteres que jamais ví em parte alguma. O mestre jamais se dispôs a me dizer o que havia naquele livro. Destino sempre me dominou e eu o temia. Lembro-me como estremeci ante sua presença na noite anterior ao fato hediondo, enquanto ele falava sem cessar de sua teoria - por que certos cadáveres nunca se decompõem mas permanecem integros em suas tumbas por mil anos. No entanto, já não o temo mais, pois suspeito que ele conheceu horrores além do meu alcance. Agora temo por ele.
Mais uma vez repito: não tenho nenhuma lembrança clara de nosso intuito naquela noite. Decerto teria muito a ver com o livro que o mestre levava consigo - aquele livro antigo, num alfabeto indecifrável e que lhe chegara da India um mês antes - mas juro que não sei o que esperávamos encontrar. Vossa testemunha declara que nos viu às onze e meia na estrada de Gainsville, seguindo na direção do Pântano do Cipreste Grande. É provável que isso seja verdade, mas não me lembro com nitidez.
O lugar era um cemitério antigo. Tão antigo que eu me sobressaltava ante os inúmeros indícios de anos imemoriais. Era numa depressão profunda e úmida, coberta de mato alto, musgo e curiosas ervas rasteiras, envolvido por um vago fedor que minha fantasia ociosa associava absurdamente a pedras putrefatas.
A primeira impressão vívida que tenho de minha própria presença nessa necrópole terrível refere-se ao ato de deter-me com Destino diante de um certo sepulcro semi obliterado e de arrojar em seu interior certos fardos que, aparentemente estivéramos carregando.
E sem delongas tomamos das pás e começamos a afastar as ervas, a grama e a terra da cova rasa e arcaica. Após expormos toda a sua superfície, que consistia em três imensas lages de granito, recuamos alguns passos para examinar o ossuário. O mestre parecia estar fazendo alguns cálculos mentais. Depois voltou ao sepulcro e, usando a pá como alavanca, tentou erguer a laje que ficava mais próxima de uma ruína de pedra e que pode ter sido outrora um monumento. Não conseguindo seu intento, fez um gesto para que eu o auxiliasse. Por fim, nossos esforços combinados fizeram com que a pedra se soltasse. Levantamo-la e a arredamos do lugar.
Com a remoção da laje, ficou à vista uma abertura negra, da qual irrompeu um efluxo de gases miasmáticos, tão nauseantes que saltamos para trás, tomados de horror. Após um intervalo, entretanto, aproximamo-nos novamente da cova e achamos as exalações menos intoleráveis.
Dei um passo a frente ameaçando tomar a dianteira, mas Destino me puxou pela gola da vestimenta, pondo sua mão de ferro sobre minha garganta e me fazendo sufocar... só ele poderia adentrar aquele local.
Depois ele apertou-me a mão, sobraçou a bainha da espada na cinta e desapareceu naquele indescritível ossuário. Durante um minuto ainda percebi o brilho da tocha e escutei o roçar da capa de seda, enquanto Destino andava, e o leve ranger de sua armadura; mas o brilho da luz sumiu repentinamente, como se ele houvesse dobrado uma esquina na escada de pedra e quase ao mesmo tempo o som cessou igualmente. Eu estava só, porém ligado às profundezas desconhecidas sob os raios esforçados do exangue quarto-crescente.
Então da abertura da cripta veio um grito e eu chamei meu mestre com voz tensa. Por apreensivo que me sentisse, eu não estava preparado, entretanto, para as palavras que subiram daquela cova hedionda, em tons mais alarmados e hesitantes do que eu já havia escutado de Otto Von Doom. Ele, que se despedira de mim com tamanha calma havia pouco, agora chamava lá de baixo num sussurro titubeante, mais pressago que um grito sonoríssimo:
"Meu Deus! Se pudesse ver o que estou vendo!" Eu sabia que não era a mim que ele chamava...
Não pude Responder. Mudo, só fiz esperar. Mais uma vez escutei a voz de meu mestre, ainda repassada de medo e agora aparentemente impregnada de desespero:
“Santo Deus... é horrível!”
Voltou o silêncio, apenas quebrado pela torrente de perguntas sobressaltadas que eu fazia. Ouvi então novamente a voz de Lorde Destino, num tom de delirante consternação:
"Verme maldito! Pelo amor de Deus, repõe a Laje no lugar e sai disso se puderes! Deixa tudo mais e corre... é tua última oportunidade! Faz o que eu digo e não peça explicações!"
Eu escutava, mas só conseguia repetir minhas perguntas frenéticas. Em meu redor estavam as tumbas, a escuridão e as sombras; abaixo de mim, algum perigo que sobrepujava o alcance da imaginação humana, um perigo que fazia frente ao homem mais perigoso que eu já conheci.
“Pelo amor de Deus, põe a laje no lugar e te manda, Maldito!"
Nesse ponto, o murmúrio de meu mestre converteu-se em grito, um grito que aos poucos se transmudou em uivo, carregado de todo o horror das eras...
Depois disso, caiu o silêncio. Ignoro por quantos minutos permaneci sentado ali, estupefato. Sussurrando, murmurando, gritando, berrando. Vezes sem conta, no transcurso daqueles minutos, sussurrei, murmurei, chamei, gritei e berrei "Mestre! Mestre; Responde... estás aí?”
Foi então que sobreveio o cúmulo do horror... a coisa inacreditável, inimaginável, quase impronunciável. Já disse que foi como se passassem minutos depois de Lorde Destino emitir sua derradeira advertência desesperada, e que apenas meus gritos quebravam agora o silêncio horrífico. Contudo depois de algum tempo houve um novo estalido e eu apurei os ouvidos. Mais uma vez chamei: "Mestre estás aí?”, e como resposta ouvi aquilo que lançou essa nuvem sobre minha alma. Não tento, senhores, explicar aquilo... aquela voz... nem posso abalançar-me a descrevê-la em minúcia, uma vez que as palavras iniciais roubaram minha consciência e criaram um vazio mental que se estende ao momento em que despertei no Hospital.
Direi que a voz era profunda? Cava? Gelatinosa? Remota? Sobrenatural? Inumana? Desencarnada? Que direi? Ela marcou o fim de minha experiência e é o fim de minha história. Eu a escutei, e de nada mais tomei conhecimento... escutei-a enquanto permanecia sentado, petrificado naquele cemitério desconhecido do vale, em meio às pedras carcomidas e aos túmulos em ruínas, junto à vegetação pútrida e aos vapores miasmáticos... escutei-a subindo das profundezas mais absconsas daquele maldito sepulcro aberto, enquanto assistia à dança de sombras amorfas, necrófagas, à luz mortiça de uma lua exangue.
E o que ela disse foi:
"IDIOTA, DESTINO SE FOI...!"

02/12/2009

Para T.C.P.P.

Soneto XVII

Não te amo como se fosses rosa de sal, topázio
ou flecha de cravos que propagam o fogo:
te amo como se amam certas coisas obscuras,
secretamente, entre a sombra e a alma.

Te amo como a planta que não floresce e leva
dentro de si, oculta, a luz daquelas flores,
e graças a teu amor vive escuro em meu corpo
o apertado aroma que ascendeu da terra.

Te amo sem saber como, nem quando, nem onde,
te amo diretamente sem problemas nem orgulho:
assim te amo porque não sei amar de outra maneira,

senão assim deste modo em que não sou nem és
tão perto que tua mão sobre meu peito é minha
tão perto que se fecham teus olhos com você eu sonho.

10/10/2009

Vento Frio - H.P. Lovecraft

Faz algum tempo que eu não postava nada, por que estava meio triste ou ocupado, mas agora tudo está bem, e para iniciar essa nova fase, eu vou postar uma história que eu gostei bastante, é de H.P. Lovecraft! Vê aí:

PERGUNTAS-ME por que receio as rajadas de vento frio; por que tremo mais que as pessoas comuns ao entrar num aposento gélido e sinto náusea e repulsa quando a friagem da noite se insinua, furtiva, pelo calor de um suave dia de outono. Há quem diga que eu reajo ao frio de modo semelhante ao que outros reagem ao fedor, e serei o último a desmentir essa impressão. O que farei será relatar a situação mais horripilante em que já me encontrei e deixar a ti a tarefa de julgar se ela representa ou não uma explicação satisfatória para essa minha esquisitice.

É falso imaginar que o horror esteja associado indissoluvelmente com o negrume, o silêncio, a solidão. Eu o conheci no esplendor fulgurante de uma tarde de sol, em meio ao clangor da metrópole e no ambiente apinhado de uma pobre e comuníssima casa de pensão, tendo a meu lado uma senhoria prosaica e dois homens robustos. Em meados de 1923, eu conseguira um emprego enfadonho e pouco rendoso numa revista, em Nova Iorque; e na impossibilidade de pagar o aluguel de uma moradia decente, comecei a vagar de uma pensão barata para outra, em busca de um quarto que combinasse as qualidades de limpeza adequada, mobiliário tolerável e preço bastante módico. Constatei, antes que passasse muito tempo, que só me restava optar entre diferentes males; entretanto, pouco depois dei com uma casa na Rua 14 Oeste que me repugnava muito menos do que as outras que eu havia experimentado.

Era uma mansão de grés pardo, com quatro pavimentos, que datava aparentemente de fins da década de 1840, com mármores e madeirames cuja magnificência enodoada e manchada lembrava que no passado o prédio conhecera altos níveis de elegante opulência. Os quartos, amplos e de enorme pé-direito, decorados com um papel de parede inacreditável e com comijas ridiculamente complicadas, tinham um deprimente bafo de bolor, bem como um vago cheiro de cozinha; entretanto, o chão era limpo, a roupa de cama bastante aceitável e a água quente nem sempre estava fria ou desligada, de modo que vim considerar a casa como um lugar pelo menos suportável para hibernar até poder realmente voltar a viver. A senhoria, uma espanhola desmazelada e quase barbada, chamada Herrero, não me amolava com mexericos ou reclamações a respeito da luz que eu deixava acesa até tarde em meu quarto, no terceiro andar, dando para a rua; e os demais pensionistas eram tão sossegados e calados quanto se poderia desejar. Eram na maioria espanhóis, só um pouco acima do nível mais grosseiro e ínfimo. O único motivo realmente sério de aborrecimento era o ruído dos bondes na rua.

Eu já estava residindo ali bem umas três semanas quando ocorreu o primeiro incidente insólito. Certa noite, por volta das oito horas, escutei um barulho como que de líquido que caísse no chão, e de repente me dei conta que já fazia algum tempo que o ar estava impregnado de um penetrante odor de amônia. Olhando em torno, vi que o teto estava molhado e gotejante; parecia que a infiltração provinha de um canto do lado que dava para a rua. Ansioso por cortar o mal pela raiz, desci depressa para falar à senhoria, que me garantiu que o problema seria logo resolvido.

- El doctor Muñoz - comentou ela, subindo as escadas correndo, em minha frente - deve ter derramado seus produtos químicos. Está fraco demais para cuidar de si próprio... cada vez mais fraco... pero no tiene nadie que pueda ayudarlo. E muito esquisito com essa doença dele... toma banhos de cheiros estranhos o dia inteiro, nem pode ficar nervoso ou sentir calor. Ele mesmo arruma o quarto... o quartinho dele vive cheio de garrafas e máquinas e ele não pratica mais a medicina. Mas antigamente ele foi famoso... mi padre ouviu falar dele em Barcelona... e há poco tiempo tratou o braço do bombeiro que cuida do encanamento e que começou a doer de repente. Ele nunca sai, só vai até o terraço, e mi hijo, Esteban, traz, para ele comida, roupa limpa, remédios e produtos químicos. Diós, a quantidade de sal amoníaco que esse hombre usa para se refrescar!

A Sra. Herrero desapareceu pela escada do quarto andar e eu voltei para meu quarto. A amônia parou de pingar e eu sequei a que havia caído. Enquanto abria a janela para arejar o cômodo, ouvi os passos pesados da senhoria no andar de cima. Quanto ao Dr. Muñoz, eu nunca havia escutado seus passos, lentos e macios. Só havia escutado um ruído que parecia ser o de um mecanismo com motor a gasolina. Fiquei a imaginar, por um momento, qual poderia ser a estranha enfermidade desse homem e se sua recusa obstinada em aceitar auxílio não resultaria de uma excentricidade infundada. Lembro-me de ter tido um pensamento banal, o de quanto é patética a situação de uma pessoa eminente que decaiu socialmente.

Talvez eu jamais viesse a conhecer o Dr. Muñoz se não fosse o ataque cardíaco que de repente me acometeu numa tarde em que eu estava escrevendo em meu quarto. Médicos haviam-me falado do perigo que representam tais crises, e eu sabia que não havia tempo a perder; por isso, ao me recordar do que a senhoria tinha dito sobre a ajuda que o inválido prestara ao bombeiro, arrastei-me pela escada e bati debilmente à porta do quarto que ficava em cima do meu. Minha batida foi respondida em bom inglês por uma voz curiosa, mais ou menos à direita, que me indagou o nome e profissão. Uma vez respondidas as perguntas, abriu-se um pouco a porta ao lado daquela em que eu batera.

Recebeu-me uma lufada de ar frio; e embora o dia fosse um dos mais tórridos do fim de junho, tive um estremecimento ao transpor a porta e entrar num espaçoso apartamento, cuja decoração suntuosa e de bom gosto constituiu uma surpresa naquele ninho de penúria e miséria. Um sofá dobrável atendia, agora de dia, à sua função de sofá, e o mobiliário de mogno, o magnífico papel de parede, as pinturas antigas e as esplêndidas estantes de livros indicavam antes o estúdio de um fidalgo que um quarto de pensão. Percebi então que o quarto que ficava sobre o meu - o quartinho com garrafas e máquinas, mencionado pela Sra. Herrero - era simplesmente o laboratório do doutor e que seus aposentos principais ficavam naquele amplo apartamento adjacente, cujas alcovas corretas e o grande quarto de banho lhe permitia ocultar toda roupa e objetos gritantemente utilitários. O Dr. Muñoz, evidentemente, era um homem com berço, cultura e excelente gosto.

A figura que eu tinha diante de mim era a de um homem baixo, mas muito bem proporcionado, trajado numa indumentária um tanto formal, de corte e feitio perfeitos. Um rosto bem-feito, de expressão senhoril, mas em nada arrogante, tinha a orná-lo uma barba aparada e um pouco grisalha, enquanto um pincenê antiquado se antepunha a olhos grandes escuros, equilibrando-se num nariz aquilino que dava um toque mourisco a uma fisionomia em tudo mais marcadamente celtibérica. Uma cabeleira basta e bem-tratada, que indicava visitas regulares de um barbeiro, partia-se com muita elegância sobre a testa alta. E toda a impressão que aquele vulto transmitia era de acentuada inteligência, origens nobres e excelente educação.

Não obstante, ao contemplar o Dr. Muñoz naquela lufada de ar frio, fui tomado de uma repugnância que nada em seu aspecto poderia justificar. Somente sua tez, que se inclinava à palidez e a frieza do toque de sua mão poderiam ter dado uma base física a essa sensação, porém mesmo essas coisas teriam de ser relevadas, dada a notória invalidez do homem. É ainda possível que tenha sido aquele frio singular que me indispôs, pois tamanha gelidez era anormal num dia tão quente, e o anormal sempre desperta aversão, suspeita e temor.

No entanto, a repulsa logo cedeu lugar à admiração, uma vez que a extrema perícia daquele estranho médico se manifestou incontinenti, a despeito da algidez e do tremor de suas mãos exangues. A um olhar ele compreendeu minhas necessidades, atendendo-as com habilidade de mestre; enquanto me assistia, consolava-me com voz harmoniosamente modulada, embora inusitadamente oca e sem timbre, assegurando-me ser o mais implacável dos inimigos da morte, e que havia dissipado sua fortuna e perdido todos os amigos numa vida inteira de experiêcias extravagantes, dedicadas à repressão e extirpação de tamanho flagelo. Parecia haver nele um certo fanatismo benevolente, e ele não cessava de divagar, quase garrulamente, enquanto me auscultava o peito e preparava uma beberagem de drogas trazidas de seu pequeno laboratório. Era evidente que a companhia de uma pessoa bem-nascida representava para ele uma rara novidade naquele ambiente de indigência e o levava a uma desusada loquacidade, ao ser empolgado por recordações de dias melhores.

Sua voz, embora estranha, era ao menos apaziguadora; e eu não percebia sequer o som de sua respiração enquanto ele pronunciava aqueles longos períodos, tão cheios de lhaneza. O doutor procurava afastar meus pensamentos da crise cardíaca, discorrendo sobre suas teorias e experiências. Lembro-me bem do tato com que ele procurou consolar-me da debilidade de meu coração, insistindo em que a vontade e a consciência são mais fortes do que a própria vida orgânica, de forma que se uma organização física for originalmente saudável e preservada com cuidado pode, mediante um realce cientifico dessas qualidades, reter uma espécie de animação nervosa, apesar das mais sérias lesões, defeitos ou mesmo ausências no conjunto de órgãos específicos. Algum dia, dis-se-me ele meio a brincar, poderia me ensinar a viver (ou ao menos manter alguma espécie de existência consciente) até mesmo sem coração! Quanto a si, afligia-o uma série de enfermidades que exigiam um regime rigorosíssimo, que incluía o frio constante. Qualquer elevação marcada da temperatura poderia, caso se prolongasse, afetá-lo de maneira fatal; e a frialdade de sua moradia, cerca de 13º centígrados, era mantida por um sistema absorvente de arrefecimento a amônia. As bombas do sistema eram impulsionadas pelo motor a gasolina que eu já escutara de meu quarto.

Aliviado de minha crise num tempo maravilhosamente breve, deixei aqueles aposentos frígidos como discípulo e servidor do talentoso recluso. Depois disso, fiz-lhe várias visitas, devidamente agasalhado. Ouvia-lhe o relato de pesquisas secretas e resultados quase espantosos, e estremecia um pouco ao examinar os volumes incomuns e inacreditavelmente antigos em suas estantes. Por fim, convém acrescentar, fiquei quase curado para sempre de minha doença, devido à sua terapia tão efetiva. Ao que parece, ele não desdenhava os encantamentos dos medievalistas, porquanto acreditava que essas fórmulas crípticas contivessem raros estímulos psicológicos, que poderiam, concebivelmente, exercer efeitos singulares na substância de um sistema nervoso que tivesse sido abandonado pelas pulsações orgânicas. Comoveu-me o que ele contou sobre o idoso Dr. Torres, de Valência, que compartilhara com ele suas primeiras experiêcias, e que cuidara dele por ocasião da grave enfermidade que o acometera dezoito anos antes, e da qual procedia sua atual debilitação. Pouco depois de haver o venerando facultativo salvo o colega, ele próprio sucumbira ao horrendo inimigo que combatera. Possivelmente o esforço tivesse sido excessivo; o Dr. Muñoz deixou claro, em sussurros (conquanto não descesse a minúcias), que os métodos de cura haviam sido excepcionalíssimos, envolvendo cenas e processos desaprovados por galenos idosos e conservadores.

Com o passar das semanas, observei com pesar que, com efeito, meu novo amigo estava, lenta mas inequivocamente, perdendo suas forças, tal como sugerira a Sra. Herrero. O aspecto lívido de sua fisionomia se intensificava, a voz se fazia mais vazia e indistinta, seus movimentos musculares mostravam menor coordenação, seu espírito e sua força de vontade revelavam menos fortaleza e iniciativa. Não parecia ele de modo algum desatento a essa triste transformação, e pouco a pouco tanto sua expressão quanto sua conversa foram adquirindo uma ironia desagradável que restaurou em mim a repulsa sutil que eu havia sentido de início. Ele foi cultivando caprichos esquisitos, afeiçoando-se a especiarias exóticas e incenso egípcio até que seu quarto recendia como a tumba de um faraó no Vale dos Reis.

Ao mesmo tempo, aumentava seu desejo de ar frio, e com minha ajuda ele ampliou a tubulação de amônia de seu quarto e modificou o sistema de bombas e a alimentação de sua máquina de refrigeração, até conseguir manter a temperatura entre 1º e 4,5º centígrados e, finalmente, na casa de 2º centígrados negativos. O banheiro e o laboratório, naturalmente, eram menos frios, para que a água não se congelasse no encanamento e os processos químicos não se vissem prejudicados. O inquilino do cômodo ao lado do dele queixou-se do ar gélido que entrava pela porta de ligação; por isso, ajudei o doutor a instalar re-posteiros pesados, que mitigassem o problema. Uma espécie de horror crescente, de feitio bizarro e mórbido, parecia possuí-lo. Ele falava da morte sem cessar, mas ria cavamente quando coisas como providências fúnebres ou de sepultamento eram obliquamente sugeridas.

De maneira geral, ele se converteu em companhia desconcertante e até repelente. Contudo, por gratidão ao modo como ele me curara, eu não me dispunha a abandoná-lo aos estranhos que o cercavam, e tinha o cuidado de espanar-lhe o quarto e atender às suas necessidades de cada dia, metido num sobretudo pesado que eu havia comprado especialmente para esse fim. Da mesma forma, eu fazia grande parte de suas compras e observava com assombro alguns dos produtos químicos que ele encomendava a farmacêuticos e fornecedores de laboratórios.

Uma crescente e inexplicada atmosfera de pânico parecia avolumar-se em seu apartamento. Toda a casa, como já foi dito, recendia a bolor; entretanto, o odor em seu apartamento era pior e, apesar de todas as especiarias e do incenso, bem como dos acres produtos químicos dos banhos (agora contínuos) que ele insistia em tomar sem ajuda, percebi que o cheiro deveria estar ligado à sua enfermidade, e tive um calafrio ao refletir sobre qual poderia ser. A Sra. Herrero persignava-se ao olho e deixou-o de bom grado aos meus cuidados, sem nem mesmo permitir que o filho, Esteban, continuasse a lhe prestar serviços. Quando eu sugeria que ele buscasse o auxílio de outros médicos, o inválido revelava fúria, tão grande quanto ele parecia atrever-se a demonstrar. Era evidente que ele receava o efeito físico da emoção violenta, e no entanto sua força de vontade e seus ímpetos antes se fortaleciam que minguavam, e ele se recusava a guardar o leito. A lassidão dos primeiros tempos de sua enfermidade deu lugar a um retorno de sua disposição fogosa, de modo que ele parecia arremessar reptos ao rosto do demônio da morte no momento mesmo em que esse antigo inimigo se apossava dele. A simulação do comer, que sempre fora, curiosamente, quase um formalismo, foi praticamente abandonada; e somente a força mental parecia protegê-lo do colapso total.

Adquiriu ele o hábito de redigir longos documentos que cuidadosamente lacrava e cercava de recomendações para que eu os transmitisse, após sua morte, a certas pessoas por ele nomeadas - na maioria letrados das Índias Orientais, mas entre as quais havia um outrora famoso médico francês, hoje em geral tido como morto, e a respeito de quem as coisas mais inconcebíveis haviam sido murmuradas. Quero dizer desde logo que queimei todos esses papéis, sem entregá-los nem abrí-los. Seu aspecto e sua voz se tomaram assustadores ao extremo, e sua presença quase insuportável. Num certo dia de setembro, ao vê-lo de relance, um homem que tinha vindo consertar sua lâmpada elétrica de mesa foi tomado de uma crise epiléptica, crise essa para a qual o doutor prescreveu remédios eficientes, enquanto se mantinha longe da vista. Aquele homem, é bom que se diga, havia passado pelos horrores da grande guerra sem haver sucumbido a um susto tão medonho. Foi então que, em meados de outubro, sobreveio, com subitaneidade estarrecedora, o horror dos horrores. Numa noite, mais ou menos às onze horas, a bomba da máquina refrigeradora quebrou-se, de forma que dentro de três horas o processo de resfriamento amoniacal se tornou impossível. O Dr. Muñoz chamou-me, batendo com os pés no chão, e pus-me a trabalhar desesperadamente para reparar o dano, enquanto meu anfitrião praguejava num tom cuja cavidade inerte e impetuosa foge a qualquer descrição. Não obstante, meus esforços amadorísticos foram baldados; tendo ido buscar um mecânico de uma garagem vizinha, que ficava aberta a noite toda, ficamos sabendo que nada poderia ser feito até de manhã, quando um novo pistão teria de ser adquirido. A indignação e o medo do ermitão moribundo, elevando-se a proporções grotescas, parecia ser de molde a destruir o que restava de seu físico fraquejante; e em certo momento um espasmo fez com que ele levasse as mãos aos olhos e corresse ao banheiro. Saiu dali tateando o caminho, com o rosto envolvido em bandagens, e nunca mais lhe vi os olhos.

O frio do apartamento diminuía agora sensivelmente, e ao dar as cinco da manhã o médico retirou-se para o banheiro, ordenando-me que o mantivesse abastecido com todo o gelo que eu pudesse obter em farmácias e bares. Ao voltar de minhas excursões, às vezes desencorajadoras, e deitar o que havia conseguido junto à porta do banheiro, eu escutava um contínuo espadanar de água lá dentro, enquanto uma voz grossa pedia "Mais... mais!" Por fim, raiou um dia quente, e uma a uma as lojas se abriram. Pedi a Esteban que ajudasse com o provisionamento de gelo enquanto eu ia adquirir o pistão da bomba, ou que encomendasse o pistão enquanto eu continuava a buscar gelo; no entanto, instruído pela mãe, ele se recusou peremptoriamente a ajudar.

Por fim, contratei um vadio de aspecto miserável que encontrei na esquina da Oitava Avenida para manter o paciente abastecido de gelo, trazido de uma lojinha onde o apresentei, e me entreguei, diligente, à tarefa de localizar um pistão de bomba e de contratar operários que soubessem instalá-lo. A tarefa parecia quase interminável, e fui tomado de ira quase tão violenta quanto a do ermitão ao ver as horas se escoando num ciclo infatigável de telefonemas infrutíferos, de correrias de um lado para outro, indo ali e acolá' de metrô e transporte de superfície. Mais ou menos ao meio-dia encontrei um fornecedor satisfatório numa rua remota do centro da cidade, e aproximadamente à 1:30 da tarde cheguei à pensão com as peças necessárias e dois mecânicos fortes e inteligentes. Eu havia feito tudo quanto me fora possível e esperava chegar em tempo.

O negro terror, no entanto, me precedera. A pensão se transformara numa casa de orates, e sobre as vozes aterradas escutei um homem rezando com voz gravíssima. Havia pelo ar um quê de diabólico e os inquilinos rezavam o rosário com maior vigor ao sentirem o cheiro que exalava por baixo da porta fechada do médico. O vagabundo que eu contratara, ao que parece, havia fugido aos gritos e de olhos esbugalhados pouco depois de haver feito sua segunda entrega de gelo, talvez como resultado de excessiva curiosidade. Não podia, está claro, trancar a porta ao sair; no entanto, agora ela estava fechada, presumivelmente por dentro. Não se ouvia som algum, com exceção de uma espécie indefinível de vagaroso e denso gotejar.

Depois de consultar a Sra. Herrero e os trabalhadores, e apesar do medo que me corroía a alma, opinei que deveríamos arrombar a porta; todavia, a senhoria descobriu uma maneira de virar a chave pelo lado de fora, com auxílio de um arame. Havíamos previamente aberto as portas de todos os outros quartos naquele corredor, além de descerrado as janelas até em cima. Agora, protegendo os narizes com lenços, invadimos, trêmulos, o amaldiçoado quarto, que resplendia com o sol quente do começo da tarde.

Uma espécie de trilha escura e lodosa levava da porta aberta do banheiro até a porta do corredor, e dali à escrivaninha, onde uma pocinha horrorosa se acumulara. Havia ali alguma coisa rabiscada a lápis, como que por um cego trêmulo, num pedaço de papel nojentamente manchado, ao que parecia pelas próprias garras que haviam traçado as apressadas palavras finais. Depois a trilha conduzia ao sofá e terminava de um modo que não pode ser descrito.

O que estava, ou tinha estado, no sofa não posso nem ouso dizer aqui. Mas eis o que decifrei no papel pegajosamente manchado, antes de riscar um fósforo e reduzí-lo a cinzas; o que decifrei tomado de pânico, enquanto a senhoria e os dois mecânicos saíam em disparada daquele lugar infernal para ir relatar suas histórias incoerentes na delegacia de polícia mais próxima. As palavras nauseantes pareciam quase inacreditáveis naquele fulgor amarelo de sol, com o matraquear de automóveis e caminhões que vinham subindo ruidosamente a Rua 14, mas, no entanto, confesso que acreditei nelas naquele momento. Se acredito agora naquelas palavras, honestamente não sei dizer. Existem coisas a respeito das quais é melhor não especular, e tudo quanto posso dizer é que detesto o cheiro de amônia e sinto-me desfalecer ante uma lufada de ar inusitadamente frio.

"O fim chegou", dizia o rabisco pestilencial. "Não haverá mais gelo... o homem olhou e correu. Fica cada vez mais quente e os tecidos não poderão durar mais. Imagino que saibas... o que eu disse sobre a vontade, os nervos e o corpo preservado depois que os órgãos cessassem de funcionar. Era uma boa teoria, mas não podia ser mantida indefinidamente. Houve uma deterioração gradual que eu não previra. O Dr. Torres sabia, mas o choque o matou. Não pôde suportar o que teria de fazer; tinha de me meter num lugar estranho e escuro, mas atentou à minha carta e me fez voltar, com seus cuidados. E os órgãos jamais voltariam a funcionar novamente. Tinha de ser feito à minha maneira (preservação artificial), pois vês: eu morri naquela época, há dezoito anos."


Espero que tenham curtido!... Eu gosto muito dessa história, quem quiser deixe suas impressões nos comentários.


10/09/2009

Subindo a Escada... (no que eu acredito?)

Uma vez uma pessoa me perguntou em que eu acreditava. Na hora eu não respondi nada significativo, ou mesmo coerente. Lembro da expressão de desapontamento velado que essa pessoa me devotou.

Existe uma expressão em francês: L’Esprit d’Escalier. O espírito da escada. Acho que não há palavra correspondente em nossa língua. É tipo, bom, as coisas inteligentes que a gente só pensa em dizer depois que se mandou. Todas as coisas bacanas que queria ter dito na hora.Então, eu estava subindo a escada aqui de casa e pensando:

Posso acreditar em coisas que são verdade e posso acreditar em coisas que não são verdade. E posso acreditar em coisas que ninguém sabe se são verdade ou não. Posso acreditar no Papai Noel, no coelhinho da Páscoa, na Marilyn Monroe, nos Beatles, no Elvis e em Shakespeare. Ouça bem... eu acredito que as pessoas evoluem, que o saber é infinito, que o mundo é comandado por cartéis secretos de banqueiros e que é visitado por alienígenas regularmente – uns legais, que se parecem com lêmures, e outros maldosos, que mutilam gado e querem nossa água e nossas mulheres. Acredito que o futuro é um saco e que é demais. Acredito que todos os políticos são uns canalhas sem princípios, mas ainda assim melhores que as outras alternativas. Acredito que sabonetes anti-bactericidas estão destruindo nossa resistência à sujeira e às doenças, de modo que algum dia todos seremos dizimados por uma gripe comum. Acredito que os maiores escritores do século passado foram Robert E. Howard, Tolkien, e John Steinbeck, e que jade é esperma de dragão cristalizado. Que numa vida passada eu fui um cavaleiro templário de um braço só que trocou a guerra por uma mulher, e que em outra eu me isolei numa floresta e morri de inanição perto de uma árvore de maçãs. Acho que o destino da humanidade está escrito nas estrelas, que o gosto dos doces era mesmo melhor quando eu era criança, que aerodinamicamente é impossível para uma abelha voar, que a luz é uma onda e uma partícula, que tem um gato em algum lugar dentro de uma caixa que está vivo e morto simultaneamente – apesar de que se não abrirem a caixa e alimentarem ele, o gato só estará morto de duas maneiras diferentes. Que o amor existe mesmo Que existem estrelas no universo bilhões de anos mais velhas que o próprio universo, que existem formas de vida imortais que sobreviveram a destruição do universo que veio antes do nosso. Acredito em um Deus pessoal que cuida de mim e que supervisiona tudo que eu faço, em um Deus impessoal que nem sabe que eu existo, que criou o universo e foi resolver seus próprios problemas. Acredito em um universo sem Deus, um universo de caos causal, em um passado tumultuado e pura sorte cega.

Em suma, eu acredito em tudo!...

E você no que acredita?

22/08/2009

Super-herói é vício

O texto abaixo foi retirado do site UniversoHq.com :

Podemos fazer todos os volteios possíveis, mas, no final, as desculpas só reforçam a teoria de que os quadrinhos de super-heróis hoje sobrevivem principalmente do vício e - como a maioria das indústrias que se apoiam nesse subterfúgio - são uma droga.

Os anos se passam, a qualidade dos quadrinhos do chamado
mainstreamdecai cada vez mais intensamente - salvo raras exceções -, mas as revistas continuam sendo publicadas mês a mês. Saga após saga, uma novela infinita é arrastada na tentativa de manter seus leitores fiéis comprando.

É certo que os números das vendas caíram, mas até isso reforça a ideia de um mercado sustentado basicamente por um público viciado nele.

As desculpas comumente apontadas pelas editoras para a redução do mercado são a diversificação dos meios de entretenimento, a pirataria, a redução geral do número de pessoas que se interessam por ler qualquer coisa e, claro, crises financeiras.
Veja bem, tirando os leitores mais voláteis, que deixam de comprar por uma ou mais dessas razões, quem sobra? O eterno fanboy viciado em super-heróis.

O
fanboy é aquele leitor ansioso, compulsivo, que tem a necessidade de ter todos os números das séries. Ele é até consciente de que sua revista preferida está muito ruim, porém é persistente. Acredita que uma hora vai melhorar.

Esse leitor "sabe" que será publicado um arco muito legal, que ele vai gostar e, para entendê-lo completamente, precisará ter lido tudo aquilo de chato que foi lançado antes.

Ele é cheio de desculpas para seu vício - como todo viciado que se preze.
Pode se ver como uma pessoa que passa por provações para ler uma ou outra boa história. Pode até ignorar os referenciais do que é bom ou ruim e passar a aceitar qualquer coisa. Começa a comprar quadrinhos "adultos",cults, undergrounds, entre outros, para dizer que aprecia todo tipo de HQ - mas, bem lá no fundo, o cara gosta mesmo é de super-heróis.

Alguns
fanboys até criam sites que oferecem os scans piratas de quadrinhos, páginas que parecem voltadas para outros leitores viciados. Pelo material disponibilizado e pelo discurso que essas pessoas reproduzem nos textos de apresentação, é fácil notar: esses sites atendem os mesmos anseios do vício dos colecionadores, que, mais do que falta de dinheiro para comprar as revistas, não têm a paciência necessária para aguardar o lançamento das edições no mercado nacional.

Como isso aconteceu? Como um dia acordamos e algo que deveria ser uma diversão, até um acréscimo cultural, virou uma droga?
Há histórias que se alongaram por décadas, sempre narrando mais ou menos a mesma linha de tempo de um punhado de personagens carismáticos. E esse formato surpreendente, que supera em número novelas, seriados etc., acabou criando uma estrutura de sustentação à sua volta.

Com o tempo, as editoras foram refinando esquemas de vendagem, distribuição, formato. São mecanismos que atingem até a parte criativa da produção das histórias, como a necessidade de "megassagas" periódicas para integrar todos os títulos da casa, mortes e renascimentos de personagens, reformulações de superequipes e por aí afora.

Quadrinhos de super-heróis sempre foram um gênero marcado pelo exagero, mas se antes isso estava presente na caracterização dos personagens, nas proezas de que eram capazes e nos conflitos que viviam, agora o que se exacerba é a espetaculização dos acontecimentos de uma revista, por mais dispensáveis que eles se mostrem mais adiante.
Esta é uma prática semelhante à de alguns programas sensacionalistas de televisão - arma-se um verdadeiro circo para tornar um fato efêmero em algo que prenda a atenção da audiência por um período maior.

As editoras não são menos viciadas do que os leitores, pois se agarram como se estivessem desesperadas a fórmulas que, mesmo sob críticas, dão certo a seus olhos - vide, por exemplo, tudo que foi dito sobre as séries semanais da
DC Comics nos últimos anos.

É claro que o leitor tem sua culpa nesse processo. Ele compra mais revistas nesses grandes eventos criados pelas editoras, fica sempre esperando a volta de certos personagens, enfim, referenda a estratégia das casas publicadoras.

Atualmente, apesar da participação significativa dos leitores em fóruns de discussão e coisas do tipo, a maioria parece acatar facilmente o que as editoras fazem com seus personagens, sem deixar de comprar, pelo motivo explicado no começo: a possibilidade de que aquilo seja importante numa trama futura.
Fazendo uma analogia com o futebol, poderia-se dizer que, nos quadrinhos, a torcida não derruba um técnico, por mais deficiências que ele mostre.

No caso do mercado norte-americano, isso é ainda mais difícil, porque as vendas são feitas por encomenda e sem direito de devolução por parte da loja. Portanto, uma boa expectativa sobre uma edição vale mais do que a qualidade da revista, pois o seu sucesso comercial muitas vezes é decidido antes de ela ser lida e julgada pelo público.

Diferentemente de um filme, que pode desandar e ir mal de bilheteria se as pessoas começam a falar mal da história, fazendo o boca a boca depois da estreia, um gibi de super-heróis tira proveito de um boca a boca prévio que nem sempre tem a ver com roteiro, estilo de arte, narrativa ou drama; apenas conteúdo informacional (quem morre/ressuscita, entra/sai da equipe), que vem por meio dos famigerados
spoilers.

Tudo isso leva a uma distinção do que é bom e do que é importante numa HQ de super-heróis. E os dois não significam a mesma coisa.
Sem querer entrar numa discussão subjetiva do que seja bom, muitas vezes os critérios estéticos ficam completamente de fora quando o assunto é uma edição que integra uma megassaga.

Por exemplo: os sites de
reviews norte-americanos são conhecidos por atribuir notas à "acessibilidade" de uma edição, a maneira como ela apresenta os fatos do enredo a um leitor de primeira viagem, mas falam pouco sobre como a trama pode mexer com as emoções desse cada vez mais raro leitor aventureiro.

No fim das contas, aquela substância que viciou tantos leitores alguns anos atrás começa a perder a força, diluindo-se em meio a outras coisas. Até o ponto em que aqueles que ainda consomem suas doses mensais o fazem mais pelo hábito do que pelo vício, sem perceber que já não há mais prazer nas "viagens".

Diego Figueira e Zé Oliboni são viciados em super-heróis e distribuem suas doses desses no Universo HQ e no Pop Balões..

11/08/2009

Com as bênçãos da Dama de Ferro

Nossa história começa, como um romance de Sinclair Lewis, na sombreada rua morta de uma sonolenta mas prospera cidade atual.Era uma manhã de segunda-feira, fechada, no início de agosto de 2009. Não havia muita coisa nos jornais, a não ser queixas sobre um ladrão de bicicletas e relatos de uma doença afetando a cidade. Uma grande faixa entre as colunas coríntias de uma biblioteca imaginária anuncia um novo Empréstimo pela Liberdade. O primeiro sinal de perturbação naquele dia claro foi a súbita aparição de uma única nuvem cúmulo-nimbo, alta como uma torre.

Sabe, às vezes sinto que estou destinado a ficar sempre nos bastidores quando se desenrolam as cenas principais no palco. Que Deus me tornou vítima de alguma brincadeira de mau gosto de proporções cósmicas, me dando pouco mais do que uma ponta na minha própria vida. Ou sinto às vezes que meu papel é simplesmente de espectador das histórias dos outros, e sempre saio andando a esmo no momento culminante, virando uma esquina ou simplesmente dando as costas exatamente na hora do desfecho.

Isso é um pedido de desculpas, devia explicar, porque estou para contar uma história que não sei como termina, e que pela primeira vez traz esse que vos fala como protagonista.

Há momentos na vida que valem mundos inteiros, e momentos que são tão carregados de emoção, que de alguma forma se tornam eternos. Lembro de acordar naquele dia e olhar para a parede de meu quarto, percebendo o espaço vazio onde devia figurar um pôster surrado de Margaret Tatcher, algo que revela minhas posições políticas conservadoras. De alguma forma aquele espaço vazio parecia tão significativo, tão especial, que agora eu me pergunto o que de fato aquele pôster fez lá tanto tempo. Aquele espaço vazio era uma parte de mim que faltava, uma parte do meu coração ou algo assim, nunca sei ao certo.

Eu me levantei e fui até o armário, olhando para os meus livros e revistas, postos metodicamente em ordem alfabética ao lado dos dvd’s. Eu estava procurando aconselhamento para questões de amor, o que eu sempre achava numa bela foto da dama de ferro, que antes fulgurava na parede. Na pagina 305 do velho livro de história eu encontrei.

Tinha olhos penetrantes e muito inteligentes, olhos que certamente teriam sustentado o meu olhar de um jeito firme e decidido se eu não evitasse deliberadamente encará-la, preferindo, em vez disso, assimilar os detalhes de sua pele clara e ligeiramente sardenta, e seus cabelos abundantes cor de cobre. Ela sorria para mim, não abertamente, só o suficiente para mostrar um pouquinho dos dentes bonitos e uniformes, e me fazer sentir que precisava retribuir, por mais difícil e estranho que isso pudesse ser.

Ela é como uma figura mítica com quem eu converso quando tenho coisas a decidir, sentimentos e fatos sobre os quais pensar, assim como existem homens que só conseguem se concentrar em lugares especiais, só deles; eu consigo me concentrar ao máximo, consigo realmente pensar, enquanto encaro aquela mulher. Longe de ser bonita, mas com certeza imponente.

Eu vinha me perguntando sobre meus sentimentos, sobre o amor e sobre tanta coisa que é difícil de expressar com palavras, mas fácil de fervilhar na superfície de nossas mentes.

“Fale, meu jovem, o que te aflige?” pude ouvi-la em minha cabeça. Não sabia o que dizer, a não ser a verdade mais profunda do meu coração: eu estava amando alguém como nunca antes tinha acontecido. Eu sou às vezes tão destrambelhado, sincero, irônico, ingênuo e, porque não, cínico, que sinto que sufoco as pessoas de quem eu gosto. Como por exemplo, essa garota por quem me descubro apaixonado. Ela é mais velha, bonita, inteligente e engraçada, como é que alguém assim se interessa por mim? Sei lá. Nem ela sabe se está interessada mesmo. (É estranho como alguém que tenciona ser escritor não consegue nem ao menos descrever uma pessoa querida...).

“Seja apenas verdadeiro, sincero, gentil! Mas seja vigoroso e forte! Massacre os inimigos com punhos de ferro, e nunca perca as rédeas de seu próprio destino!” é exatamente o que a dama de ferro me disse. “Filho, você tem que aprender a se impor, tem que ser melhor que os outros. Tem que ser firme! E não titubear”, continuou ela sem me dar atenção, “ porque as palavras só fazem soprar um hálito gelado sobre o calor das ações.”

Margaret Tatcher sempre cita Shakespeare nos momentos mais oportunos, quando eu preciso ouvir aquela voz familiar e inspiradora, que se revela no fundo como sendo a minha própria. Estava decidido, eu lutaria por aquilo que eu queria, eu declararia meus sentimentos aos ventos, e buscaria a todo custo à felicidade.

Lembro da sensação de liberdade e alívio que eu senti, lembro do gosto amargo na boca de quem acaba de acordar, lembro daquela sensação indescritível no fundo do peito que a pequena Dorothy, e Totó, deve ter sentido ao se descobrir novamente no Kansas.

Eu tinha a benção de quem eu mais queria para agir, a benção de mim mesmo, ou como gosto de pensar: a benção da dama de ferro!!!

(CONTINUA... com promessas de maiores explicações sobre essa coisa toda... )

05/08/2009

Top 100 fimes de Sci-Fi, do site TOTAL SCI-FI

1) Blade Runner (1982)
2) 2001: A Space Odyssey (1968)
3) Star Wars (1977)
4) Alien (1979)
5) Metropolis (1927)
6) The Day the Earth Stood Still (1951)
7) The Terminator (1984)
8) Planet of the Apes (1968)
9) E.T. (1982)
10) Solaris (1972)
11) Close Encounters of the Third Kind (1977)
12) Forbidden Planet (1956)
13) The Empire Strikes Back (1980)
14) A Trip to the Moon (1902)
15) Aliens (1986)
16) Silent Running (1972)
17) Brazil (1985)
18) Akira (1988)
19) Star Trek II: The Wrath of Khan (1982)
20) Total Recall (1990)
21) The Matrix (1999)
The Wachowski
22) Tron (1982)
23) The Thing (1982)
24) RoboCop (1987)
25) Jurassic Park (1993)
26) Invasion of the Body Snatchers (1978)
27) A Clockwork Orange (1971)
28) The Fifth Element (1997)
29) La Jetée (1962)
30) Sleeper (1973)
31) The Fly (1986)
32) Terminator 2: Judgement Day (1991)
33) Westworld (1973)
34) Mad Max 2 (aka The Road Warrior) (1981)
35) Return of the Jedi (1983)
36) Back to the Future (1985)
37) WALL-E (2008)
38) The Fantastic Planet (1973)
39) The Man Who Fell to Earth (1976)
40) Things to Come (1936)
41) 20 Million Miles to Earth (1957)
42) The Abyss (1989)
43) Quatermass 2 (1957)
44) This Island Earth (1955)
45) Eternal Sunshine of the Spotless Mind (2004)
46) Delicatessen (1991)
47) Dark Star (1974)
48) The Andromeda Strain (1971)
49) The Omega Man (1971)
50) Stalker (1979)
51) Tetsuo: The Iron Man (1989)
52) Escape from New York (1981)
53) The Invisible Man (1933)
54) It Came From Outer Space (1953)
55) Godzilla (1954)
56) Invasion of the Body Snatchers (1956)
57) Minority Report (2002)
58) Alphaville (1965)
59) Gattaca (1997)
60) The Fountain (2006)
61) Them! (1954)
62) Videodrome (1983)
63) Logan’s Run (1976)
64) Ghost in the Shell (1995)
65) Repo Man (1984)
66) Children of Men (2006)
67) Star Trek VI: The Undiscovered Country (1991)
68) Outland (1981)
69) A Boy and his Dog (1975)
70) Mad Max (1979)
71) Donnie Darko (2001)
72) Soylent Green (1973)
73) Cube (1997)
74) Moon (2009)
75) Dark City (1998)
76) Starship Troopers (1997)
77) A Scanner Darkly (2006)
78) The Quiet Earth (1985)
79) Invaders From Mars (1953)
80) Fantastic Voyage (1966)
81) Barbarella (1968)
82) Fahrenheit 451 (1966)
83) Twelve Monkeys (1995)
84) Event Horizon (1997)
85) Independence Day (1996)
86) Altered States (1980)
87) The Stepford Wives (1975)
88) Serenity (2005)
89) Dune (1984)
90) Primer (2004)
91) Explorers (1985)
92) THX 1138 (1971)
93) Star Trek (2009)
94) Flash Gordon (1980)
95) Galaxy Quest (1999)
96) Cocoon (1985)
97) Stargate (1994)
98) Predator (1987)
99) Trancers (1985)

100) Rollerball (1975)